terça-feira, 3 de maio de 2011

De Amyr Klink a James Cracknell: o Atlântico a remo de norte a sul

"(..aprendi...) A transformar o medo em respeito, o respeito em confiança. Descobri como é bom chegar quando se tem paciência. E para se chegar, onde quer que seja, aprendi que não é preciso dominar a força, mas a razão. É preciso, antes de mais nada, querer" - Amyr Klink.

Já que não posso remar, estou aproveitando a famigerada pneumonia pra botar a leitura em dia e viajar nas remadas alheias. Curei (ou provoquei?) insônia acompanhando os loucos James Cracknell e Ben Fogle em seu "The Crossing - conquering the Atlantic in the world's toughest rowing race". Inevitável emendar com a releitura de "Cem dias entre céu e mar", do Amyr Klink. Iguais mas diferentes. Inspiradores. Incríveis odisséias de homens valentes, frágeis humanos que têm medo e sonham, arriscam e conquistam.


Amyr foi remador do Clube Espéria, em São Paulo, um dos mais antigos do Brasil. Cracknell, atleta do tradicionalíssimo Leander Club, em Londres, ganhou dois ouros olímpicos no Quatro Sem dos fatásticos Steven Redgrave e Matthew Pinsent (2000-2004). E um belo dia resolveram que esse negócio de ficar pra lá e pra cá numa raia de 2000m, com cronômetro na mão e ácido lático nas coxas, já tinha dado e resolveram desafiar o Atlântico. O gringo pelo Norte, Amyr pelo Sul.

Parecem viagens irmãs: saem de um lado do oceano; negociam com ondas e tempestades; surpreendem-se com baleias; temem navios e outros monstros marinhos; calculam, interminavelmente, a quantidade de suprimentos e água; desenrolam perrengues em série; contam cada nascente e poente; deliram; discutem. E chegam, enfim, do outro lado do oceano.
A  rota do Spirit of EDF em 2005.
A rota do IAT em 1984.
Na verdade, Amyr foi primeiro. Em 1984. Quando GPS era coisa de marciano e os remos (pesadíssimos) eram de madeira. Eu nem sabia o que era remar, muito menos que conheceria Amyr anos mais tarde. Cracknell botou o barco n'agua nas Ilhas Canárias em 2005 (eu já era até campeã brasileira de remo!). Com um arsenal de equipamentos eletrônicos e a mais alta tecnologia: GPS, remos de carbono da Concept, barcos de apoio, rádios modernos. Era a regata Woodvale Challenge, que acontece a cada dois anos. Esse ano tem, mas só penso em participar em 2017 pra comemorar meus 40 anos. Não deixem minha mãe saber.

Ter ou não um sextante é só a a diferença visível das duas expedições. Lembro quando comecei a trabalhar com Amyr Klink em 2002. Primeiro encontro com ele e a recomendação em alto e bom som: "Manoela, só não vem escrever que sou aventureiro pq nada do que eu faço é uma aventura. Minhas viagens são fruto de um minucioso trabalho de preparação, onde cada detalhe é calculado".

Amyr Klink - de Lüderitz/Namíbia a Salvador/Brasil.
E essa é a grande diferença entre as travessias de 1984 e 2005. Quem achou que, 20 anos depois, com todos os aparatos modernos e o fato de remarem em dupla, James Cracknell e Ben Fogle teriam uma experiência mais "agradável" do que Amyr se enganou. Vc lê "Cem dias..." e acha que Amyr está de férias num cruzeiro: não passa fome, não passa sede, não passa sono. Diverte-se com as ondas e se delicia com potes de leite condensado. Faz da fauna sua companheira e batiza com bom humor as assustadoras ondas oceânicas. Capotar era uma "farra". Planejamento, confiança e prazer. Foram dois anos de estudo, o famoso "dossiê amarelo" e a constatação: "Meu medo era nunca partir. O período em terra foi mais sofrido do que no mar". Só não foi uma logística perfeita pq o travesseiro ficou em Paraty.

James Cracknell e Ben Fogle - de La Gomera/Espanha a Antigua/Caribe.
Os gringos deveriam ter lido o livro de Amyr antes de soltar as amarras. Sério. Ia poupar muita enrascada em que se meteram: acabou água, racionaram comida, equipamentos quebraram e, nem sempre, tinha peça de reposição ou conhecimento da tripulação para resolver o pepino. A capotagem quase custou a vida da dupla. Olhando friamente, os caras são loucos. Uns verdadeiros aventureiros que, graças às personalidades complementares (e um mapa astral favorável, só pode), venceram a regata!

Tão absorvente quanto o livro de Amyr é a narrativa dos ingleses. Uma história quase surreal, que começou numa balada com o, digamos, "ex-BBB" Fogle convidando o campeão olímpico daquele ano pra dar um rolé ali no Atlântico. Nem se conheciam quando embarcaram. Preparação? Meu, eles quase não largaram pq sequer tinham os cursos de sobrevivência necessários e os equipamentos obrigatórios a dois dias da partida. Sabe a história fadada a dar errado? Não deu.

O encontro tão inusitado (e, até certo ponto, naif) sobre a fossa abissal do Atlântico acabou sendo é um baita estudo antropológico, uma aula de relações humanas. Cracknel, com seus calos nas mãos e milhares de quilômetros nas costas, queria vencer a regata. Talento não lhe faltava e achava que isso era mais do suficiente. Autoconfiança, teimosia e orgulho às vezes jogaram a favor, mas em outras... Fogle queria mais é "curtir uma de aventureiro" e chegar vivo pra contar a história no final. Não tinha noção da biomecânica da remada e ia encarar 3000 milhas em mar aberto.  Parece que nem disso ele sabia. Venceu seus medos, sobreviveu à competitividade quase insana de seu parceiro e salvou-lhe, praticamente, a vida com sua coragem em reconhecer as fraquezas. Sabe superação? Eles queriam muito chegar. Muito mesmo. Tanto quanto Amyr.

Enquanto isso sigo de castigo em casa com meu barquinho empoeirando na garagem de remo do Botafogo. Ai que saudade...

Remar: Saiba mais sobre Amyr Klink, James Cracknell e outros craques do remo nos links ao lado. A Woodvale não promove apenas a travessia do Atlântico, mas também expedições menores. Para começar a treinar, há clubes de remo nas principais cidades do Brasil (incrivelmente menos em Belo Horizonte). Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, São Paulo, Santa Catarina, Espírito Santo, Brasília, Bahia, Belém e Manaus, nesta ordem, têm clubes de remo bastante ativos e tradicionais. Tem clubes de todo o país no Scullerbrasil.

2 comentários:

  1. - Excelente, como sempre, o texto. Claro que é do DNA.

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  2. Olá pessoal!

    Andei pesquisando sobre o Amyr Klink, e encontrei um programa que ele apresenta no Canal Futura que fala sobre utilização de energia. Tem dicas e vários fatos históricos. Os episódios são disponibilizados no Youtube. Abaixo deixo o link para vocês conferir.

    http://www.youtube.com/user/grupocpflenergia

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