domingo, 16 de outubro de 2011

A guerra do corpo com a mente - sobre a Maratona de Amsterdam

Ao deixar o tatame depois de conquistar a medalha de bronze no Mundial de Judô em Paris, em agosto, Leandro Guilheiro disse aos jornalistas (eu entre eles):

"Tive um dia difícil aqui em Paris, que é um lugar onde gosto muito de lutar. Não sei o que aconteceu. Dei cabeçada, arranhei o rosto, o peito, os dedos... Mas mostrei força mental e coração. Mesmo quando o judô me abandona, é bom saber que ainda tem o resto".

Essa foi mais ou menos a história da minha Maratona de Amsterdam. Preparem-se, pois esse post não vai ter o final feliz que eu queria contar.

Foram 24h de luta entre corpo e mente. Na noite da véspera da prova, a cabeça não descansava por nada, pedindo ao corpo, por favor, para não decepcionar na corrida. Eu tinha certeza que era possível atingir a meta de correr os 42,195km em menos de quatro horas. Bastava o corpo não vacilar.

Ana Paula Alfano, uma das melhores corredoras-jornalistas de que se tem notícia, comentou o post anterior com muita propriedade: "Sabemos que os treinos são mais difíceis do que a Maratona. A diferença está na cabeça".

E foi ela, a cuca, a responsável pela prova-pesadelo desse domingo em Amsterdam.

Fiz o dever de casa todo: roupa separada no dia anterior, muita água no corpo, café da manhã levinho, aquele pipi providencial antes da largada, vaselina nas áreas de atrito do corpo (não tive nenhuma assadura pela primeira vez, uhu!)... Tudo lindo numa manhã fria (estava coisa de 5-8 graus na largada) com sol prometendo o clima ideal para correr.

Larguei bem - até mais forte do que deveria ter largado. Mas me sentia totalmente segura e dona da prova. Bolei rapidamente a estratégia: ia diminuir o pace depois dos 10km (passei com 55min), levar em banho maria até o 30 e ver se conseguia tirar algum coelho da cartola até a linha de chegada. Aí era só partir para a Heinecken gelada.

Mas pifei. Na altura do km 12 (sim, cedinho na prova) a cabeça queria estar longe daquela rua cheia de gente. O corpo assumiu o controle: "Vamos até o final, sua louca. Nem inventa de desistir".

Sei lá o que houve. O ponto de hidratação tarde demais (foi só no 12)? O engarrafamento para pegar água? O ritmo forçado no começo? Os treinos em exesso? Os treinos de menos?

Acontece que não estava feliz ali. Não curti a paisagem. Não tirei foto (sou fanfarrona, tiro foto quando corro). Não sorri para os holandeses que entoavam "Brasil lara lara lara larááá" ao verem minha camisa. Queria botar o pé na frente de toda moça de cor de rosa ou criatura destrambelhada que me ultrapassava - e foram muitas das duas espécies. Me arrastei por 30 intermináveis e doloridos quilômetros. Foi a pior prova de qualquer coisa que já fiz na minha vida. E não digo só por causa do tempo de 4h21 (o mesmo da minha primeira Maratona, no Rio, ano passado), mas pelo conjunto da obra. Se eu tivesse corrido Rio e Atenas juntas não teria terminado com esse gosto de cabo de guarda-chuva na boca.

"Quem faz muita Maratona é assim mesmo, Manu. Tem as melhores e tem as piores", falou com sabedoria outro craque da imprensa-corredora, Zé Lucio Cardim, testemunha ocular da história na Holanda.

Um dia sei que vou olhar com carinho para a medalha e lembrar da coragem que precisei para resistir por 30km a uma sensação horrível emocional e fisicamente. Vou curtir ter completado minha terceira Maratona. Vou ter orgulho de, apesar de todos os problemas de saúde que enfrentei e enfrento esse ano, ainda sou forte para chegar onde meu corpo me levar. Queira a cabeça ou não.

Como diz Raul (afinal, Amsterdam é a capital dos doidões, né?):

"Veja! / Não diga que a canção está perdida / Tenha fé em Deus, tenha fé na vida / Tente outra vez!
Tente! / Levante sua mão sedenta e recomece a andar / Não pense que a cabeça aguenta se vc parar!"



PS: Sabia que essa história de ficar no último andar do hotel, sem elevador, ia custar caro. Como é que vou DESCER 70 degraus com mala amanhã, raios? Nossa Senhora dos Maratonistas, por favor me ajude!

6 comentários:

  1. Parabéns minha flor pela tenacidade e pelo belo texto que vem do coração.

    ResponderExcluir
  2. Mas a mente continua funcionando brilhantemente, amiga.

    ResponderExcluir
  3. Parabéns pela prova e pela coragem em cada palavra do seu texto.

    ResponderExcluir
  4. Muito orgulho da sua garra e do seu texto, brilhante(pelo menos Dinda postiça serve para isso). Hoje de manhã, vindo para o trabalho eu agradecia a Deus as dificuldades que a vida está me apresentando pois delas posso tirar a força para viver e conquistar. E agora, lendo seu post vi que vc conquistou, não só a conclusão do percurso, mas principalmente a certeza que pode vencer todos os desafios da vida com garra e coragem.

    ResponderExcluir
  5. 4:21 é mesmo assim um bom tempo. Duvido que vc tenha sido a última a chegar...Parabéns!

    ResponderExcluir
  6. Emocionante mano!!!

    Parabens pela VITÓRIA!
    Conciliar mente e corpo de uma vez só nem sempre é tarefa fácil...

    Bjos do cunha

    ResponderExcluir