Chacoalhando ao meu lado na picape a caminho de (mais um) jantar daqueles no Ecologiku's, a senhora paulistona arregala o olho e dispara: "Nossa, cinco vezes? Depois de três dias aqui, tenho certeza de que Noronha não é um lugar que eu voltaria. Já vi tudo".
Aceito gostos e percepções distintos aos meus. Mas não posso deixar de achar uma pobreza de espírito ou uma arrogância exagerada alguém se dar por satisfeito com três dias em qualquer lugar que seja. Mergulhar no azul de Fernando de Noronha requer mais do que um batismo com a Atlantis. É por isso que já fui cinco vezes. Pra ficar uma semana no mínimo. E voltarei quantas puder.
Visitar Noronha sempre foi um sonho de infância. Mamãe que o diga. Em 2004, depois de matar duas garrafas de vinho com amigos, decidimos que as férias de verão daquele ano seriam no arquipélago. Respeitem promessa de bêbados. Embarquei com Renata, Rafa e Orro na manhã de um domingo de dezembro, de Varig em voo direto do Rio!, coroando um final de semana inesquecível (ganhei dois ouros no Brasileiro Master de Remo - Double e Four - e o Botafogo foi campeão no feminino, com minha super parceira Luciana papando a outra medalha possível, no Skiff).
A trip de solteirona com os amigos deu lugar a uma viagem mágica com Pedro, então recém-namorado, em 2005. No ano seguinte empurrei Mamãe escada abaixo na Praia do Sancho e, em 2007, fiquei conhecida como a "menina da bicicleta", já que a Caloi foi a companheira daquela visita à ilha, assim como as anteriores, sempre feita em dezembro (com muito calor, pouco verde na paisagem e ondas que desafiam meus medos mais íntimos. Maldito swell). O quinto - e até o momento último - desembarque no acanhado aeroporto aos pés do Morro do Pico (verdinho de outono!) foi agora em abril, dessa vez com o Pedro e a bike, combinação perfeita. Cada dia mais apaixonada por aquele pedacinho de rocha vulcância no meio do Atlântico. Cada vez me sentindo mais em casa ao lado das mabúias.
Pedro não tem um pingo de ciúme desse meu amor. Pelo contrário, é cúmplice. O presente de natal (?) daquele 2005 foi o livro Utopia, de Thomas More. Que fala de uma sociedade perfeita vivendo numa ilha descoberta por Américo Vespúcio em uma de suas navegações. Em Utopia todos se vestem igual, trabalham por três horas pela manhã e outras três à tarde, seu emprego independe de sexo ou formação.
Tenho certeza de que Vespúcio tropeçou em Noronha com sua caravela.
Não que a vida dos nativos se resuma a golfinhos rotadores dando show. A rotina é dura e eu sei bem (coisa que a paulista nem desconfia, certamente).
Sim, realmente é triste saber que as hospedagens domiciliares estão, pouco a pouco, virando abrigo dos funcionários das pousadas de grife. A gasolina custa R$ 4 o litro no único posto do arquipélago (onde tem Brasil, tem Petrobras!). Falta água doce na alta temporada (o abastecimento às casas chegou a ser feito a cada 20 dias apenas e restaurantes, até hoje, raramente usam guardanapos de pano, por exemplo). O ônibus que serve a turistas e moradores é pouco confiável, embora percorra uma linha reta de 7,5km (passagem a R$ 3 e uns quebrados): há apenas dois veículos e quando um enguiça, não tem jeito. A manutenção, aliás, é precária (contam que já perdeu o freio nas ladeiras da ilha duas vezes, uma no Sueste, outra na entrada da vila dos Três Paus).
O lixo é outro problema constante - precisa ser mandado em balsas para o continente. Os preços pagos pelos habitantes são os mesmos praticados com os turistas: R$ 13 uma Stella Artois, R$ 4 uma água ou R$ 9 um pacote de Ruffles. Numa comprinha besta no mercadinho da Vila dos Remédios (dois gatorade, 2 litros d'agua e uma castanha de caju) deixamos R$ 30. E acho que descobri o único item a R$ 1 por lá: o envelopinho de Sonrisal ali na loja da Mãezinha.
Mas como diz Walter (o ex-técnico de informática, hoje guia da recomendável Cavalgada Ecológica, que veio visitar o irmão da Aeronáutica e entregou-se de amor por uma local, largando a vida no continente para nunca mais voltar), em Noronha cada um tem o que precisa e nada mais. Não há miséria, mas também não há luxo. Come-se o que tem no mercado: se chegou vagem, é vagem, se o barco trouxe chuchu, então é chuchu. O salário mínimo é mais do que o dobro do aprovado por Dilma. O expediente começa cedo com o vaivém frenético dos transfers dos passeios e acaba na hora do almoço. Recomeça depois da siesta para se encerrar junto com o fim da palestra do Tamar, não mais do que 22:00. Sem estresse, sem exageros. Sem a famosa "Neuronha". Tal qual em Utopia.
E é em homenagem a todas as pessoas que me mostram, a cada visita, como Fernando de Noronha é um lugar ímpar sem precisar apelar a clichês dos pacotes da CVC, que inicio uma série sobre o arquipélago aqui no blogue. Desculpe se faltar algo. É que ainda não conheço tudo.
Aceito gostos e percepções distintos aos meus. Mas não posso deixar de achar uma pobreza de espírito ou uma arrogância exagerada alguém se dar por satisfeito com três dias em qualquer lugar que seja. Mergulhar no azul de Fernando de Noronha requer mais do que um batismo com a Atlantis. É por isso que já fui cinco vezes. Pra ficar uma semana no mínimo. E voltarei quantas puder.
Visitar Noronha sempre foi um sonho de infância. Mamãe que o diga. Em 2004, depois de matar duas garrafas de vinho com amigos, decidimos que as férias de verão daquele ano seriam no arquipélago. Respeitem promessa de bêbados. Embarquei com Renata, Rafa e Orro na manhã de um domingo de dezembro, de Varig em voo direto do Rio!, coroando um final de semana inesquecível (ganhei dois ouros no Brasileiro Master de Remo - Double e Four - e o Botafogo foi campeão no feminino, com minha super parceira Luciana papando a outra medalha possível, no Skiff).
A trip de solteirona com os amigos deu lugar a uma viagem mágica com Pedro, então recém-namorado, em 2005. No ano seguinte empurrei Mamãe escada abaixo na Praia do Sancho e, em 2007, fiquei conhecida como a "menina da bicicleta", já que a Caloi foi a companheira daquela visita à ilha, assim como as anteriores, sempre feita em dezembro (com muito calor, pouco verde na paisagem e ondas que desafiam meus medos mais íntimos. Maldito swell). O quinto - e até o momento último - desembarque no acanhado aeroporto aos pés do Morro do Pico (verdinho de outono!) foi agora em abril, dessa vez com o Pedro e a bike, combinação perfeita. Cada dia mais apaixonada por aquele pedacinho de rocha vulcância no meio do Atlântico. Cada vez me sentindo mais em casa ao lado das mabúias.
Pedro não tem um pingo de ciúme desse meu amor. Pelo contrário, é cúmplice. O presente de natal (?) daquele 2005 foi o livro Utopia, de Thomas More. Que fala de uma sociedade perfeita vivendo numa ilha descoberta por Américo Vespúcio em uma de suas navegações. Em Utopia todos se vestem igual, trabalham por três horas pela manhã e outras três à tarde, seu emprego independe de sexo ou formação.
Tenho certeza de que Vespúcio tropeçou em Noronha com sua caravela.
Não que a vida dos nativos se resuma a golfinhos rotadores dando show. A rotina é dura e eu sei bem (coisa que a paulista nem desconfia, certamente).
Sim, realmente é triste saber que as hospedagens domiciliares estão, pouco a pouco, virando abrigo dos funcionários das pousadas de grife. A gasolina custa R$ 4 o litro no único posto do arquipélago (onde tem Brasil, tem Petrobras!). Falta água doce na alta temporada (o abastecimento às casas chegou a ser feito a cada 20 dias apenas e restaurantes, até hoje, raramente usam guardanapos de pano, por exemplo). O ônibus que serve a turistas e moradores é pouco confiável, embora percorra uma linha reta de 7,5km (passagem a R$ 3 e uns quebrados): há apenas dois veículos e quando um enguiça, não tem jeito. A manutenção, aliás, é precária (contam que já perdeu o freio nas ladeiras da ilha duas vezes, uma no Sueste, outra na entrada da vila dos Três Paus).
O lixo é outro problema constante - precisa ser mandado em balsas para o continente. Os preços pagos pelos habitantes são os mesmos praticados com os turistas: R$ 13 uma Stella Artois, R$ 4 uma água ou R$ 9 um pacote de Ruffles. Numa comprinha besta no mercadinho da Vila dos Remédios (dois gatorade, 2 litros d'agua e uma castanha de caju) deixamos R$ 30. E acho que descobri o único item a R$ 1 por lá: o envelopinho de Sonrisal ali na loja da Mãezinha.
Mas como diz Walter (o ex-técnico de informática, hoje guia da recomendável Cavalgada Ecológica, que veio visitar o irmão da Aeronáutica e entregou-se de amor por uma local, largando a vida no continente para nunca mais voltar), em Noronha cada um tem o que precisa e nada mais. Não há miséria, mas também não há luxo. Come-se o que tem no mercado: se chegou vagem, é vagem, se o barco trouxe chuchu, então é chuchu. O salário mínimo é mais do que o dobro do aprovado por Dilma. O expediente começa cedo com o vaivém frenético dos transfers dos passeios e acaba na hora do almoço. Recomeça depois da siesta para se encerrar junto com o fim da palestra do Tamar, não mais do que 22:00. Sem estresse, sem exageros. Sem a famosa "Neuronha". Tal qual em Utopia.
E é em homenagem a todas as pessoas que me mostram, a cada visita, como Fernando de Noronha é um lugar ímpar sem precisar apelar a clichês dos pacotes da CVC, que inicio uma série sobre o arquipélago aqui no blogue. Desculpe se faltar algo. É que ainda não conheço tudo.
Sentido horário a partir do alto: Moniquinha e Mary, Duda Rei, Jurrewerson e Rinaldo. Gente que faz de Noronha um lugar diferente de qualquer outro no planeta. |