quarta-feira, 18 de abril de 2012

Ilha de Utopia

Chacoalhando ao meu lado na picape a caminho de (mais um) jantar daqueles no Ecologiku's, a senhora paulistona arregala o olho e dispara: "Nossa, cinco vezes? Depois de três dias aqui, tenho certeza de que Noronha não é um lugar que eu voltaria. Já vi tudo".

Aceito gostos e percepções distintos aos meus. Mas não posso deixar de achar uma pobreza de espírito ou uma arrogância exagerada alguém se dar por satisfeito com três dias em qualquer lugar que seja. Mergulhar no azul de Fernando de Noronha requer mais do que um batismo com a Atlantis. É por isso que já fui cinco vezes. Pra ficar uma semana no mínimo. E voltarei quantas puder.

Visitar Noronha sempre foi um sonho de infância. Mamãe que o diga. Em 2004, depois de matar duas garrafas de vinho com amigos, decidimos que as férias de verão daquele ano seriam no arquipélago. Respeitem promessa de bêbados. Embarquei com Renata, Rafa e Orro na manhã de um domingo de dezembro, de Varig em voo direto do Rio!, coroando um final de semana inesquecível (ganhei dois ouros no Brasileiro Master de Remo - Double e Four - e o Botafogo foi campeão no feminino, com minha super parceira Luciana papando a outra medalha possível, no Skiff).

A trip de solteirona com os amigos deu lugar a uma viagem mágica com Pedro, então recém-namorado, em 2005. No ano seguinte empurrei Mamãe escada abaixo na Praia do Sancho e, em 2007, fiquei conhecida como a "menina da bicicleta", já que a Caloi foi a companheira daquela visita à ilha, assim como as anteriores, sempre feita em dezembro (com muito calor, pouco verde na paisagem e ondas que desafiam meus medos mais íntimos. Maldito swell). O quinto - e até o momento último - desembarque no acanhado aeroporto aos pés do Morro do Pico (verdinho de outono!) foi agora em abril, dessa vez com o Pedro e a bike, combinação perfeita. Cada dia mais apaixonada por aquele pedacinho de rocha vulcância no meio do Atlântico. Cada vez me sentindo mais em casa ao lado das mabúias.

Pedro não tem um pingo de ciúme desse meu amor. Pelo contrário, é cúmplice. O presente de natal (?) daquele 2005 foi o livro Utopia, de Thomas More. Que fala de uma sociedade perfeita vivendo numa ilha descoberta por Américo Vespúcio em uma de suas navegações. Em Utopia todos se vestem igual, trabalham por três horas pela manhã e outras três à tarde, seu emprego independe de sexo ou formação.

Tenho certeza de que Vespúcio tropeçou em Noronha com sua caravela.

Não que a vida dos nativos se resuma a golfinhos rotadores dando show. A rotina é dura e eu sei bem (coisa que a paulista nem desconfia, certamente).

Sim, realmente é triste saber que as hospedagens domiciliares estão, pouco a pouco, virando abrigo dos funcionários das pousadas de grife. A gasolina custa R$ 4 o litro no único posto do arquipélago (onde tem Brasil, tem Petrobras!). Falta água doce na alta temporada (o abastecimento às casas chegou a ser feito a cada 20 dias apenas e restaurantes, até hoje, raramente usam guardanapos de pano, por exemplo). O ônibus que serve a turistas e moradores é pouco confiável, embora percorra uma linha reta de 7,5km (passagem a R$ 3 e uns quebrados): há apenas dois veículos e quando um enguiça, não tem jeito. A manutenção, aliás, é precária (contam que já perdeu o freio nas ladeiras da ilha duas vezes, uma no Sueste, outra na entrada da vila dos Três Paus).

O lixo é outro problema constante - precisa ser mandado em balsas para o continente. Os preços pagos pelos habitantes são os mesmos praticados com os turistas: R$ 13 uma Stella Artois, R$ 4 uma água ou R$ 9 um pacote de Ruffles. Numa comprinha besta no mercadinho da Vila dos Remédios (dois gatorade, 2 litros d'agua e uma castanha de caju) deixamos R$ 30. E acho que descobri o único item a R$ 1 por lá: o envelopinho de Sonrisal ali na loja da Mãezinha.

Mas como diz Walter (o ex-técnico de informática, hoje guia da recomendável Cavalgada Ecológica, que veio visitar o irmão da Aeronáutica e entregou-se de amor por uma local, largando a vida no continente para nunca mais voltar), em Noronha cada um tem o que precisa e nada mais. Não há miséria, mas também não há luxo. Come-se o que tem no mercado: se chegou vagem, é vagem, se o barco trouxe chuchu, então é chuchu. O salário mínimo é mais do que o dobro do aprovado por Dilma. O expediente começa cedo com o vaivém frenético dos transfers dos passeios e acaba na hora do almoço. Recomeça depois da siesta para se encerrar junto com o fim da palestra do Tamar, não mais do que 22:00. Sem estresse, sem exageros. Sem a famosa "Neuronha". Tal qual em Utopia.

E é em homenagem a todas as pessoas que me mostram, a cada visita, como Fernando de Noronha é um lugar ímpar sem precisar apelar a clichês dos pacotes da CVC, que inicio uma série sobre o arquipélago aqui no blogue. Desculpe se faltar algo. É que ainda não conheço tudo.

Sentido horário a partir do alto: Moniquinha e Mary, Duda Rei, Jurrewerson e Rinaldo. Gente que faz de Noronha um lugar diferente de qualquer outro no planeta.


segunda-feira, 16 de abril de 2012

Ladeira acima

Quando minha mãe resolveu que o Rio de Janeiro ia submergir com o aumento do nível do mar, pegamos a serra e compramos um terreno em Mury. Afinal, a serra era "à prova d'água". Jamais construímos a casa (ainda) e as chuvas por lá mostraram que a precisamos de bóias de braço aqui ou acolá, com perdão pelo leve humor com um tema tão delicado.

O fato é que não ia a Friburgo há uns sete anos pelo menos. Voltei lá no ano passado, no final de semana dos namorados, graças ao casamento de Rodrigo e Camila. Era a primeira grande data na região serrana depois da tempestade que devastou tudo por lá. Escolhi pela internet uma pousada charmosa para transformar a viagem em um programão. Graças ao oráculo, dei de cara com a Monte Verde. E é ela a grande vedete desse post, ao lado dos restaurantes que completaram tão bem a viagem.

Monte Verde em dois momentos: acima, o friozinho de julho 2011. Abaixo, a luz de outono 2012.
Um casal de alemães (Sabine e Dieter - ela, coincidentemente, minha "veterana" na Escola Corcovado) que construiu tijolo a tijolo um recanto como poucos. Além da casa onde moram, há três chalés espalhados por três níveis do terreno e ligados por escadas de pedra. E tome escada! O jardim - com direito a fonte - é um paraíso de hortênsias, hibiscos, bromélias, orquídeas.

Com direito a lareira, rede, velas, edredon macio e uma vista linda para o vale, a Monte Verde é feita para casais apaixonados (oba!!!). Sem falar nos cuidados da Sabine e no papo carregado de sotaque de Dieter durante o café da manhã servido na cozinha, numa linda mesa posta com louças antigas e o cheiro do pão fresquinho saído do forno. E guardem espaço para o apfel strudel!

Café na cozinha!
Sem fazer a menor questão de fugir dos clichês de um Dia dos Namorados serrano, fomos de encontro ao fondue do Le Bon Bec, outro clássico daquelas bandas. Pedimos a trilogia com queijo-carne-chocolate. Caro, mas delicioso. Só caímos no vacilo de pedir uma sangria que custou os olhos da cara e nem era essa coisa toda (bem feito... quem mandou pedir sangria).

Ainda teve espaço para dar um pulo no famoso Braun Braun, casa da cerveja artesanal de mesmo nome, que fica no shoppingzinho de Mury. Até que comemos direitinho, mas demoramos duas horas para sentar e o atendimento estava o caos ao quadrado. Nitidamente, não se prepararam para a demanda gigante da época. Vamos tentar numa outra visita.

E não é que voltamos no último final de semana a Mury para um outro casamento de amigos queridos? Dessa vez quem jogou o buquê foi a Patrícia, agora oficialmente sra. Diogo Leuzinger. Liguei pra Sabine na hora para reservar meu chalezinho. Surpresa: os noivos já haviam se antecipado e garantido a noite de núpcias no chalé Orquídea (o mais alto... não devem ter calculado o perrengue de ter que subir pro quarto com umas doses a mais na mente!). Ficamos no Bromélia, o chalé do meio.

Dessa vez Pedro e eu fomos acompanhados por Mamãe (logicamente, não se hospedou conosco), já que Diogo é membro honorário da nossa família depois de quase 30 anos de amizade. Decidimos que faríamos dois almoços em Mury. No sábado, a intenção era conhecer o Além do Jardim, dos donos do (bem) falado Crescente, no centro de Friburgo. E no domingo iríamos ao Empório do Dengo, no km 9 na Mury-Lumiar, na entrada do sítio onde fica o tal terreno comprado em 1992.
Foi um dia assim mesmo... (Foto do site do Além do Jardim)
Além do Jardim foi o programa perfeito para o almoço sob o sol da serra. Na estrada que liga o Rio a Friburgo, logo depois do trevo de Lumiar, uma casinha envidraçada com mesas no jardim florido e bem cuidado. Atrás do balcão Ruan Rodrigues, formado em enologia e responsável pela carta com ótimos rótulos à disposição. Incluindo o Campador (uau, tem site!), uma assemblage desenvolvida pelo próprio Ruan. A safra 2009, aveludada e saborosa, foi a surpresa da tarde, que ainda teve direito a poesias nos descansos de talheres, panelinhas de cordeiro com tamarindo, porco com cuscus e cogumelos refogados. E um brownie digno de nota para encerrar o assunto antes da soneca pré-festa.

No domingo de quase ressaca, o cozido da Leila, que pilota a cozinha do Empório do Dengo, caiu como uma luva. Antes, patê de truta, conserva de beringela artesanal e duas garrafinhas de cevada locais: uma Braun Braun e uma Ranz Orgânica, que vou te contar, hein...


Ah, o Empório do Dengo tem quartos de pousada rural também (no Sítio Dengoso).

E para quem gosta de plantas, não deixe de passar no Horto Klein e se entregar pelas explicações da simpática Tereza.

Dormir: Pousada Monte Verde (22 2542-2440, com Sabine) e Sítio Dengoso (22 2519-4005, com Eva Schneider)

Comer: Le Bon Bec (22 2542-1103), Braun Braun (22 2542-1338) e Além do Jardim (22 2542-2062)


quinta-feira, 5 de abril de 2012

Herói da Resistência

Quem acompanha o remo olímpico do Brasil certamente já ouviu o nome de Anderson Nocetti – o Macarrão. Catarinense, 38 anos, pai da Rúbia, 105 mil quilômetros remados e que conquistou, recentemente, a vaga para representar o Brasil nos Jogos Olímpicos de Londres. Sua quarta participação olímpica seguida. Não é pouco.

Dado o (baixo) investimento e a (pouca) atenção que o remo merece por aqui, participar de uma Olimpíada com o verde-amarelo na pá é quase como uma ganhar uma medalha. Em um país litorâneo, cortado por rios imensos e salpicado por lagos e lagoas de todos os tipos, é no mínimo curioso (e triste) que não mais do que 12 ou 13 dos 27 estados tenham uma federação de remo. Isso mesmo: o esporte não é praticado em mais da metade das regiões do Brasil. O remo foi o esporte-fundador de clubes tradicionais, como Flamengo, Vasco, Botafogo, Corinthians, para ficar apenas na região sudeste. E mesmo assim, as multidões que se aglomeravam no Estádio de Remo da Lagoa em meados  do século XX, com vestido longo e chapéus, viraram uma meia dúzia abnegados, gente que (como eu) insiste em acompanhar as regatas em domingos quaisquer, faça chuva ou faça sol.

Há quem possa condenar o fato de o Skiffista do Brasil em Londres ser quase um quarentão. Discordo e defendo Macarrão por dois motivos. Um: o remo é um esporte em que a maturidade chega mais tarde. Ou então perguntem ao Steven Redgrave, pentacampeão olímpico, como ele fez para vencer o Quatro Sem em Sydney com seus 40 anos de calos nas mãos. Dois: ninguém foi capaz de derrotar Macarrão no Brasil – e, mais do que isso, no pré-Olímpico da Argentina, foi ele quem fez o melhor tempo de todas as séries no Single Skiff Masculino (7min05s), uma marca elogiável. Mérito dele e, ouso dizer, de mais ninguém.

Macarrão rema desde 1988. Viu jovens talentosos surgirem e serem apontados como “aquele que, enfim, vai bater o Nocetti no Skiff”. Mas o fato é que Anderson Nocetti não sabe o que é perder para brasileiros desde 1997.  Teve gente boa alinhado na raia ao lado, sim. Deram a largada forte e abandonaram o barco anos mais tarde (ou, vá lá, diminuíram o ritmo).  Macarrão não. Com direito a passar por cima de todos aqueles clichês que orbitam em torno a modalidade: acordar ainda com o dia escuro, treinar exaustivamente, machucar as mãos e as costas, participar de poucos campeonatos internacionais e ainda por cima acharem que vc  faz canoagem! : )

Ainda assim Macarrão mantém o corpo em forma e com o mesmo peso de 12 anos atrás, quando foi aos Jogos de Sydney. No remoergômetro, crava seus 6min e pouquinho, tal qual quando ainda era um jovem de 26 anos. É um herói da resistência, pois faz tudo isso por amor ao esporte, vontade de vencer e a certeza de que é o remo, apesar de tudo, que poderá garantir recursos para sustentar a família.

E assim, desde 2010, defende o Botafogo, onde encontrou a motivação e estrutura necessárias para aturar as marolas da Lagoa com sorriso no rosto (e resmungando um pouquinho, se não não é o Macarrão! rs). Pelo clube da Estrela Solitária, foi mais um na constelação que entrou para a história alvinegra conquistando o Brasileiro 2010 e o bicampeonato Estadual Adulto 2010-11, feitos inéditos.

Fui a Tigre, no fim de março, só para tirar essa foto:
Coincidência ou destino: a classificação para a quarta Olimpíada veio na raia 4.
Parabéns, parceiro.

Parabéns também às guerreiras Fabiana Beltrame, Luana Bartholo e Kyssia Cataldo, que farão parte da equipe brasileira em Londres, mostrando que as mulheres não têm limites, mesmo nos recantos mais machistas como o remo. E ao Emanuel e Diego, que estão apenas no começo da caminhada olímpica e têm bons exemplos para seguir em sua casa alvinegra. Aliás, parabéns a todos que enchem a mão de calos por pura paixão.

PS: Em 2010, vivi o momento mais tenso e emocionante da minha mambembe carreira de remadora. Sentei na proa do Double para tentar não atrapalhar o Macarrão no Sul-Americano de Remo Master, em Floripa. Pedro viu e acha que foi fácil, ganhamos bem. Mas só eu (e o Roni) sei como fiquei tensa. Vai que a gente não ganha... Foi uma aula de remo e uma curtição só. Quem quiser ler mais dessa (e outras) experiência na Ilha da Magia, clica aqui.


Buenos Aires entre malbecs e chorizos

Não tem jeito, é sempre um deleite ir a Buenos Aires. Dessa vez, durante o Pré-Olímpico de Remo, em Tigre, dei umas escapadinhas para a capital portenha para, é claro, me esbaldar com malbecs e bifes de chorizo.

O El Obrero, na Boca, pra variar foi a estrela da temporada. Diferentemente de quando fui em setembro (num sábado de feriado), com Pedro, baixei lá em um dia de semana meio da tarde. Sem fila e com o mesmo bom serviço e ótimos pratos. Começamos com anéis de lula empanados (macios e quase sem gordura) e emendamos, claro, no bifão de chorizo com papas fritas. O litrão de Stella geladinha acompanhou maravilhosamente bem.

Começando os trabalhos: cervejinha entre amigas com lulas à dorê.
Me arrependi um tanto da ida ao Siga La Vaca, em Puerto Madero. Custo benefício ruim (pode-se comer mais barato e melhor), atendimento grosseiro, carnes tipo carregação, vinho quente. Cortado de vez da lista.

Mas o gran finale foi no domingo. Além de ter, enfim, me hospedado no delicioso Malabia House, um ex-convento transformado em hotel boutique em Palermo Soho, ainda “descobri” o Don Julio, tradicional casa de carnes ali perto.

Os cariocas vão entender se eu disser que é estilo Filé de Ouro ou Bar Lagoa: quer dizer, um restaurante à moda antiga, onde comer bem nem sempre significa luxo.
Ambiente do Don Julio.
A carta de vinhos é de emocionar os entendidos. Simplesmente, tinha todos os rótulos sugeridos pela querida Cecília Aldaz para as minhas comprinhas na Winery. Fui de Weinert 2005 Cabertnet Sauvignon (perdão, Malbec). A entradinha era uma fantástica provoleta de cabra. 



Achei melhor não registrar a sobremesa.


Comer: El Obrero (Caffarena 64, La Boca. Tel: + 54 11 4362-9912) / Don Julio (Guatemala 4691 esquina com Gurruchaga, Palermo Soho. Tel: + 54 11 4831-9564).  

Dormir (pq ninguém é de ferro!): Malabia House (Malabia 1555, Palermo Soho. Tel: + 54 11 4833-2410)