terça-feira, 13 de setembro de 2011

Fabiana no País das Maravilhas


Tirei essa foto em 2004, logo depois das Olimpíadas de Atenas, durante um Troféu Brasil em São Paulo no qual competimos, digamos, juntas. Fabiana Beltrame havia acabado de entrar para a história como primeira remadora do Brasil a participar da regata Olímpica. Sim, participar simplesmente. Sem grandes pretensões. A maior conquista já era estar alinhada ali na raia de Schinias ao lado das maiores do mundo.

Fabi tinha o famoso "peso merda", excuse my French. Era pesada demais para remar com as peso-leve (até 59kg) e leve de mais para encarar as brutamontes da Alemanha, Bielorrússia e Romênia, apenas para citar três singelos exemplares da raça.

Quase duas horas de carro só pra ver Fabiana e cia remarem em Schinias, a raia com mais vento da história Olímpica!
Fabi e Macarrão na área dos atletas na Grécia. O que eu estava fazendo lá... hehehe não espalhem!
Voltou da Grécia determinada a forçar a barra e descer para o peso leve. Esse Troféu Brasil aí da foto era o começo da tentativa dos novos tempos que não vingaram como Fabi planejara. Em Pequim, ela competiu de novo entre as gigantes européias. Já um pouco mais experiente, mas ainda sem poder ir aonde queria chegar de verdade.

Mesmo nos Pans de 2003 e 2007 achei que fosse ver Fabi abocanhar a primeira medalha do remo feminino na competição (Guadalajara 2011 que aguarde!). Nada feito. E Fabi foi somando, em seus treinos diários na Lagoa, quilometragem suficiente para dar várias voltas ao mundo.

Casou com o Gibran, teve a pequena Alice e hoje vive com os dois em seu País das Maravilhas. Construiu com muita dedicação, insistência, coragem, sensibilidade e, claro, talento, o caminho até a primeira medalha de ouro do Brasil em um Campeonato Mundial de Remo. Remou por águas bastante maroladas durante os quase 20 anos de calos nas mãos - mudou de cidade, de clube, de categoria, de técnico. Mas, como boa remadora, soube esperar o "sudoeste" parar de soprar para botar o barco n'agua. E cruzar a linha de chegada em primeiro.

Me afastei do remo por uma série de motivos nos últimos anos. Do trabalho como assessora de imprensa da modalidade e da vida de (quase) atleta que nunca consegui levar adiante por causa da minha não-rotina caótica. Mas nunca deixei de prestar atenção nas remadas da Fabi. Não preciso dizer o quanto fiquei emocionada ao vê-la com o ouro em volta do pescoço e o buquê de hortênsias na mão lá longe na Eslovênia. É prova não Olímpica. Sim, e daí? A alemã campeã do mundo estava alinhada ali do lado. A canadense e a americana (rivais no Pan de Guadalajara?) também não deram conta da força e determinação de Fabi na competição. E basta. Como diz Ronaldo de Carvalho, é para encher a boca e dizer CAMPEÃ MUNDIAL. Assim mesmo, em maiúsculo. Ninguém nunca antes na história desse país conseguiu nada igual.

Li um bocado de textos "oficiais" e um tanto "formais" sobre Fabi, Alice e a medalha de ouro em Bled. Mas ainda queria saber mais do que estava na cabeça dela depois desse feito. Sabia que ela tinha o que dizer.

Graças a uma pequena retomada de trabalho junto à CBR, tive a oportunidade de fazer a breve entrevista "de remadora para remadora" com Fabiana Beltrame que reproduzo aí embaixo. As respostas seguras e maduras mostram que a linha de chegada está ali adiante no horizonte. E ela sabe muito bem como remar para chegar lá antes de todas as outras magricelas que aparecerem em seu caminho:

Fabi, Alice, o ouro e as hortências. Foto do site da FISA.


EU: Como é ser a melhor do mundo?
FABI: É um sonho. Pra ser sincera, não imaginava que podia chegar lá. Mesmo treinando muito pra isso, parecia uma coisa muito distante. Quando vejo as imagens da competição, ainda me emociono.

EU: Quando, durante o Mundial, vc viu que o ouro seria seu?
FABI: Só tive certeza quando cruzei a linha de chegada. Mesmo estando bem na frente, sempre fica aquela sensação que elas poderiam me alcançar a qualquer momento. As vezes olhava pra trás pra ter certeza que estava mesmo na frente, custei a acreditar.

EU: Vc acha que os outros países agora te olham diferente? Enxergam o Brasil como um país diferente?
FABI: Com absoluta certeza. Dá pra sentir o respeito de todos. Remadoras que tenho como ídolas vieram me dar os parabéns e eu sentia que era sincero.

EU: O que vc acha que essa medalha significa para o remo brasileiro?
FABI: Espero que seja uma porta que se abriu, assim como a medalha do Aílson no Mundial sub23, abriu uma porta para mim. Foi a partir da conquista dele que percebi que era possível chegar lá. Espero que outros remadores também se inspirem nisso e nosso remo entre no cenário mundial de uma vez por todas.

EU: Como foi o “dia seguinte” da medalha: ouviu música? passeou com a família? Comeu o que (magrinho é sempre guloso... rs).
FABI: Foi maravilhoso, com a sensação de dever cumprido. Demos uma volta ao lago Bled, que é maravilhoso, tirando fotos, recebendo os parabéns de muitas pessoas e é claro, comendo muita coisa gostosa, rs...

EU:  Até onde a Fabiana Beltrame pode chegar?
FABI: Hoje eu já acredito numa medalha Olímpica, sei que não é fácil, é o objetivo de todos os atletas, mas se elas conseguem, nós também conseguimos. Somos todos de carne e osso, o que nos diferencia é a cabeça e o trabalho duro. Sei que pra Londres é difícil, mas com um bom planejamento, por que não em 2016 competindo em casa?

EU: Ser indicada pela FISA para o prêmio de melhor da temporada vale tanto quanto uma medalha? Como vc se sente?
FABI: Nossa, fiquei muito animada com a indicação, mas nada vai superar a emoção que senti quando venci a prova e recebi a medalha com minha filha no colo, cantando o hino nacional. Mas acho que se eu ganhar, vai ser mais uma oportunidade de mostrar para o mundo que nós existimos.


Para votar em Fabiana Beltrame para melhor remadora de 2011 no prêmio da Federação Internacional de Remo é só clicar aqui.

3 comentários:

  1. Texto mil e entrevista de coração pra coração. Adorei! Já votei na Fabi!

    ResponderExcluir
  2. Parabéns a Fabiana pelo grande feito, como também pela humildade de reconhecer que o resultado de Aílson a fez acreditar em sua chance de medalha. Espero que, agora, Aílson a tenha como exemplo de determinação e de consciência que existe um longo caminho pela frente. Fernando.

    ResponderExcluir
  3. A Fabiana merece muito mais. Além dessa parte dourada que a gente conhece lá, pendurada no peito, ela é uma pessoa ótima de se conviver no clube, sem atitudes de estrelismo. Sabe onde quer chegar e não precisa fazer firulas. Treina compenetrada no objetivo e não na imagem.E haja coragem de deixar todas as manhãs a Alice ali, de bracinhos estendidos pedindo pra mãe não deixá-la. Onde ela pode chegar? Não importa. Ela já está lá! Parabéns mil vezes!

    ResponderExcluir