domingo, 11 de março de 2012

Enfim, uma canoa para chamar de minha


Só não posso dizer que sou uma caiçara de nascimento pq levei três meses para entrar, pela primeira vez, numa canoa na baía de Paraty Mirim. Foi no colo da minha mãe, com Joãozinho remando. A canoa era o único meio de transporte entre a prainha e nossa casa ali no finalzinho de 1977. Hoje, saibam, não mudou muita coisa. Apenas incluiu no rol de opções a voadeira a motor do Ronaldo (o caseiro-fenômeno) ou o caiaque duplo que estrategicamente deixo estacionado lá para fazer esse delicioso vaivém de não mais de 300m.

Joãozinho, nosso caseiro nos anos 80, foi quem primeiro me ensinou os segredos de remar uma canoa caiçara. Como tirar água, como subir de volta depois de virar, como colocar o remo n'água. Minha canoa era azul e sempre que eu ia a Paraty saía nela para pescar com Caetano, meu irmão, e Edinho e Zé Cláudio, filhos de Joãozinho com Heloísa.

(Pensando bem, agora, talvez tenham sido ele - Joãozinho - e a canoinha azul os responsáveis pela minha paixão por tudo o que se move a remo na água).

Ficamos um período sem ir a Paraty e o barquinho partiu dessa para melhor. Mas já há um tempo eu insistia com Ronaldo que queria comprar uma canoa caiçara. Coisa difícil hoje em dia. As canoas caiçaras são feitas de um tronco único de árvore e as melhores madeiras para talhar estão em áreas de proteção ambiental. Os mestres canoeiros se foram e essas verdadeiras obras de arte são raríssimas.

Foi quando, no dia 31 de dezembro de 2011, fui com amigos remando até o Saco da Velha. Ao chegar na praia, uma linda canoa chamou a atenção estacionada sobre a areia. 'Mestre dos Mares' era seu nome escrito de amarelo em cima da tinta verde do casco, com alguns detalhes em vermelho. No banquinho verde aparecia o nome de Fabrício, provavelmente seu dono. Fiquei admirando e pensei alto: "Nossa, era uma dessas que eu queria".

Marquinhos, bom vendedor que só, estava de orelha em pé e devolveu de primeira. "Ué, ela pode ser sua. Toma o remo, experimenta!", disse ele, sem consultar Fabrício.

Foi paixão à primeira vista. Essas coisas do coração são fogo. Nem chorei o preço. Aliás, ela não tem preço. Combinamos de Marquinhos deixar a canoa e dois remos caiçaras no portinho lá de casa, em Paraty Mirim, até o fim da tarde. Quando cheguei da velejada (voltamos de veleiro!), lá estava ela esperando.


Depois de um ano tão difícil, começar 2012 com a cumplicidade da 'Mestre dos Mares' é especial demais.

Só queria dividir isso com vcs.

Remar: Remar canoa caiçara é tão ou mais complicado do que um Single Skiff ou um K1. Requer uma entrega total ao barco. Uma precisão em cada movimento. Uma confiança na canoa, sua parceira. Os mestres canoeiros, artistas que esculpem os barcos a partir de um único tronco de árvore, e os caiçaras, nativos do litoral sul do Rio (ou Norte de SP) que usam as canoas para se locomover e pescar, são a herança desse patrimônio imaterial brasileiro.


2 comentários:

  1. - Excelente txto, Manô. Só que V. foi para lá com um mês, conforme prova o filme que fizemos: V. no colo de sua Mãe, com o Joãozinho remando rumo à nossa casa. Sua Avó, quando viu, teve um troço, pois a tele dava impressão de que havia ondas imensas.

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