Estou mais do que atrasada,
eu sei. O 7 a 1 está quase fazendo aniversário. Um jogo que
fez todo mundo repensar passado, presente e futuro do futebol canarinho.
Eu estava no
Mineirão. Mais do que pensar nas coisas da bola, saí de lá refletindo sobre
algo que convivi bastante na minha infância: os alemães.
Estudei a vida
toda em colégio alemão e era lá que eu estava naquele 3 de outubro de 1989,
quando o Muro caiu. Nas paredes das salas de aula, alguns pôsteres do instituto
Ghoete afirmavam: “Alemão faz amigos”. Mas aquela geração (netos da Guerra,
nascidos dos filhos da Guerra) ainda estava envergonhada com a história de 45
anos antes. A gente via isso a todo tempo. Sequer usávamos uniforme, por
exemplo.
Pois quando vi
todas aquelas pessoas de camisa branca se dirigindo justamente à entrada da
arquibancada que estava assinalada no meu ingresso pensei: “bem, acho que
teremos companhia da torcida adversária”.
E não eram dois
ou três gatos pingados perdidos. Sabe aquela mancha branca atrás do gol da
direita (não o que sofremos os cinco gols do primeiro tempo, o outro, o que a
Alemanha fez só dois no segundo tempo)? Pois então, os dois pontinhos amarelos
ali no meio éramos Pedro e eu.
Logo que
chegamos vimos um rapaz no nosso lugar. Sem camisa, tatuagem na cabeça,
piercing no mamilo e cerveja na mão. Preferimos não incomodar, já que havia
dois assentos livres logo ao lado. Se chegassem os donos, compraríamos juntos a
briga.
Já na hora dos
Hinos os ânimos ferveram. Nosso “amigo” careca e mais dois torcedores de
Hamburgo, bandeira em punho, cerraram os pulsos e cantavam firmes olhando para
nós. Pedro retrucou com o “Gigante pela própria natureza” a plenos pulmões.
No 1 a 0 já
comecei a olhar opções para trocar de lugar. Achava que a tensão ia ser até o
último segundo, com empate, bola na trave, catimba. 2 a 0 e realmente estava
decidida a não ver o segundo tempo dali.
Mas veio o terceiro, o quarto, o quinto. A comemoração ao redor já não
era como nos primeiros gols. Nem eles acreditavam no que estavam vendo. “Gegen Deutschland kann man mal verlieren /
So was hat man lange nicht gesehen / So schön, so schön”.
A essa altura eu
já abria o baú da Frau Hackstein, minha ex-professora de alemão, e entendia que
eles estavam extasiados. “Pode-se perder para a Alemanha, mas algo assim há
muito não se vê, tão bonito, tão bonito!.
Atônitos,
deliberávamos se deveríamos sair mais cedo ou continuar. Assim como 99% do
Mineirão, continuamos para o segundo tempo. Antes de acabarem os 15 minutos,
chegam dois alemães e estendem um copo de cerveja. Olho muda. E ele diz:
“Bebam. É pra vcs. Isso é só um jogo de futebol, não é pra ninguém ficar
triste. Estamos aqui porque gostamos de futebol. Vivemos no mesmo mundo, só
nascemos em países diferentes”.
E a conversa
segue quase como um pedido de desculpas coletivo. “Esses dois aí da frente (os
exaltados do Hamburg SV) não representam mais o povo alemão. A gente mudou”.
“Tem gente desse tipo (o careca) em todo o mundo, desculpem por ele”. E, em
seguida, agradecem: “Estamos muito felizes por estar no Brasil e termos sido
recebidos como fomos pelos brasileiros”.
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