segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Alemão faz amigos

Estou mais do que atrasada, eu sei. O 7 a 1 está quase fazendo aniversário. Um jogo que fez todo mundo repensar passado, presente e futuro do futebol canarinho.

Eu estava no Mineirão. Mais do que pensar nas coisas da bola, saí de lá refletindo sobre algo que convivi bastante na minha infância: os alemães.

Estudei a vida toda em colégio alemão e era lá que eu estava naquele 3 de outubro de 1989, quando o Muro caiu. Nas paredes das salas de aula, alguns pôsteres do instituto Ghoete afirmavam: “Alemão faz amigos”. Mas aquela geração (netos da Guerra, nascidos dos filhos da Guerra) ainda estava envergonhada com a história de 45 anos antes. A gente via isso a todo tempo. Sequer usávamos uniforme, por exemplo.

Pois quando vi todas aquelas pessoas de camisa branca se dirigindo justamente à entrada da arquibancada que estava assinalada no meu ingresso pensei: “bem, acho que teremos companhia da torcida adversária”.

E não eram dois ou três gatos pingados perdidos. Sabe aquela mancha branca atrás do gol da direita (não o que sofremos os cinco gols do primeiro tempo, o outro, o que a Alemanha fez só dois no segundo tempo)? Pois então, os dois pontinhos amarelos ali no meio éramos Pedro e eu.

Logo que chegamos vimos um rapaz no nosso lugar. Sem camisa, tatuagem na cabeça, piercing no mamilo e cerveja na mão. Preferimos não incomodar, já que havia dois assentos livres logo ao lado. Se chegassem os donos, compraríamos juntos a briga.

Já na hora dos Hinos os ânimos ferveram. Nosso “amigo” careca e mais dois torcedores de Hamburgo, bandeira em punho, cerraram os pulsos e cantavam firmes olhando para nós. Pedro retrucou com o “Gigante pela própria natureza” a plenos pulmões.

No 1 a 0 já comecei a olhar opções para trocar de lugar. Achava que a tensão ia ser até o último segundo, com empate, bola na trave, catimba. 2 a 0 e realmente estava decidida a não ver o segundo tempo dali.  Mas veio o terceiro, o quarto, o quinto. A comemoração ao redor já não era como nos primeiros gols. Nem eles acreditavam no que estavam vendo. “Gegen Deutschland kann man mal verlieren / So was hat man lange nicht gesehen / So schön, so schön”.

A essa altura eu já abria o baú da Frau Hackstein, minha ex-professora de alemão, e entendia que eles estavam extasiados. “Pode-se perder para a Alemanha, mas algo assim há muito não se vê, tão bonito, tão bonito!.

Atônitos, deliberávamos se deveríamos sair mais cedo ou continuar. Assim como 99% do Mineirão, continuamos para o segundo tempo. Antes de acabarem os 15 minutos, chegam dois alemães e estendem um copo de cerveja. Olho muda. E ele diz: “Bebam. É pra vcs. Isso é só um jogo de futebol, não é pra ninguém ficar triste. Estamos aqui porque gostamos de futebol. Vivemos no mesmo mundo, só nascemos em países diferentes”.

E a conversa segue quase como um pedido de desculpas coletivo. “Esses dois aí da frente (os exaltados do Hamburg SV) não representam mais o povo alemão. A gente mudou”. “Tem gente desse tipo (o careca) em todo o mundo, desculpem por ele”. E, em seguida, agradecem: “Estamos muito felizes por estar no Brasil e termos sido recebidos como fomos pelos brasileiros”.

Há quem diga que dançar com Pataxó e vestir a camisa do Flamengo foi puro marketing. Eu acho que foi uma manifestação sincera do nascimento de um novo jeito alemão de viver.


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