Pedro me deu de aniversário, no ano passado, o Guia Michelin 2012 da França. De comer com os olhos. Naquela ocasião, fomos comemorar meus 35 no Il Vino by Enrico Bernardo, o restaurante onde o melhor sommelier do mundo em 2004 faz uma proposta diferente: vc escolhe o(s) vinho (s) e o prato é surpresa. Levou uma estrela dos críticos do livreto vermelho.
Foi uma experiência bacana, claro, mas não arrebatadora. Nos divertimos com o menu totalmente às cegas (pratos e vinhos surpresa), comemos e bebemos bem. E ainda bem que havia um indefectível Chablis para não derrubar minha auto-estima de enófila.
O trabalho me deu o privilégio de voltar a Paris agora neste começo de fevereiro (bem no Carnaval!) e folheei novamente, gulosa, as delicadas páginas de papel de seda. Eu ficaria baseada no 12eme arrondissement (Bercy) e era aquela região que pretendia vasculhar.
Abri apenas duas exceções geográficas: o tradicional Astier, dica do connaisseur Bruno Agostini, e o Ze Kitchen Gallerie, bistrô moderninho que eu morria de curiosidade de conhecer e acabei, sem querer, num almoço tardio de dia de semana com um amigo que trabalha na Embaixada do Brasil.
O Astier fica ali entre Nation e Republique. Uma casinha pequena de esquina. Cortininhas na janela, muita madeira no interior, staff pequeno e toalhas quadriculadas na mesa. Com direito a guardanapo de pano - sinal de 'autenticiade' que, andei sabendo, começa a rarear por aquelas bandas do Sena.
Estava sozinha e cheguei cedo, logo no começo do serviço do jantar (19:00). Pedi um champagne para começar a pensar diante do quadro negro com as opções da semana. Em seguida curti o primeiro foie gras da temporada parisiense (com avelãs e figo) e, depois, um peixe branco (Saumonette) com cogumelos e um purê que veio carregado demais no alho. Abri mão da sobremesa e caí dentro dos queijos, que chegam numa bandejona à mesa para vc se servir à vontade. Foi o ponto alto da noite, que teve participação também de um Côtes du Rhone e de um Pouilly Fumé (infelizmente lá não tem meia garrafa. Só taça, 750ml ou Magnum. Não era o caso de encarar as duas últimas opções).
Já o Ze Kitchen deve sua primeira (e até agora única) estrela Michelin à comida saborosa e bem apresentada, num ambiente moderno que mistura influência asiática no paladar com obras de arte nas paredes. Os pratos, não por coincidência, são lindamente apresentados, como se fossem uma aquarela.
Fiquei nos vinhos brancos: Kir como aperitivo e Chablis em seguida, para acompanhar a entrada de ostras, mariscos e molho com wasabi. Depois veio o peixe com endívia - delicadíssimo. Novamente o melhor (para meu paladar naquele dia) ficou para o final: o incrível sorvete de chocolate branco com wasabi e manga. U-la-la!
Mesmo sem reserva (o que não é de bom tom nem muito aconselhável fazer, sobretudo em restaurantes concorridos), fomos extremamente bem acolhidos. Já era 14:00, fim do serviço, e nem por isso havia sinal de pressa como acontece volta e meia aqui no Balneário.
Por mais que tenha adorado as descobertas tanto no Astier, quanto no Ze Kitchen, acho que minha viagem não teria sido a mesma sem ter convivido com o figuraça Boboss, no Le Quincy (onde comi o melhor coelho dos últimos 35 anos), ou experimentado o inigualável aligot (e o mil folhas!) do L'Auberge Aveyronnaise, ambos a menos de 10min andando de onde estava em Bercy.
"Você tem fome? Tem sede? Tem dinheiro? Aqui a gente não aceita cartão!". Foi assim as 'boas vindas' do velho atendente barrando minha entrada no salão principal do Le Quincy.
"Oui, j'ai tout. Et j'ai aussi froid", respondi com um sorriso, emendando que, de jeito nenhum, estava com pressa (outra pergunta metralhada em minha direção) de modo a tentar convencer o senhor a me oferecer um lugar para almoçar (também sem reserva...).
Logo estava instalada na charmosíssima varanda, com seus quadriculados branco-vermelho atestando "caráter". Chega à minha mesa uma tacinha de champagne e pedaços de salame cortado na hora, como "símbolo da amizade", segundo o senhorzinho.
Boboss, o dono bonachão que estava sentado numa mesa no salão principal, depois de verificar que eu tinha "toutes les qualités et, en plus, elle est mignone", veio ao meu cantinho cumprimentar. Li depois que o patron costuma ser genioso, por vezes simpaticão, outras carrancudo. Sorte que peguei o véio num "dia sim".
Enquanto me deliciava com uma terrine de campagne maison com salada de repolho (imperdível), observava o vaivém dos convivas no salão. Todos "de casa", com mesas cativas e abraços calorosos em Boboss. Alguns desavisados adentram e não entendem as palavras de ordem ditas por Boboss e seus assistentes. Uma senhora, depois de soltar um "il est fou quoi!?", quase deu meia volta não fosse a insistência do marido para permanecer.
Pedi um Cahors (Chateau Lagrezette 2005, formidável) e fui informada que só pagaria o que consumisse da garrafa recém-aberta. Se eu não tivesse que trabalhar em seguida, certamente teria pago por ela inteira... Ainda mais com a cortesia que chegou, em seguida, à minha mesa: presunto cru para comer com as mãos, segundo ensinou Boboss com um sorriso cúmplice.
Ousei e pedi coelho como prato principal, carne que não costumo gostar muito. Fiz bem. E muito. Servido com molho de vinho branco (de comer de colherzinha no final!!!), fettucini na manteiga e... croutons! Que lindeza!
Para arrematar, pousa ao meu redor a seleção de sobremesas da casa: frutas confit, mousse de chocolate, sorvete de baunilha feito ali mesmo. E olha que não sou de doce...
Saí emocionada.
O séjour parisiense ainda me reservou um outro presente gastronômico. O L'Auberge Aveyronnaise fica exatamente na continuação da rua do ginásio de Bercy, meu QG quando trabalho na capital francesa. Dois quarteirões sob neve fina e lá estava eu (bem) acolhida pelo simpático proprietário, indignado por eu estar sozinha num almoço de domingo. Esperei no bar com uma taça de Pommery enquanto beliscava salames e pãezinhos de cortesia até a "plus belle table" ficar pronta para mim.
A terrine de foie gras com geléia e pão caseiro me fez sorrir, apesar do vinho jovem e frutado que a garçonete me ofereceu (e eu pedi para trocar por um mais encorpado, bien sur). A paleta de cordeiro com o aligot justifica encarar filas que, soube, se instalam na porta nos finais de semana. O aligot (uma mistura fantástica de purê de batata e diferentes tipos de queijo, finalizada à mesa num show de "estica-e-puxa") é para aplaudir de pé. Mas não se esqueça de deixar espaço para o mil folhas caseiríssimo que fica ali no fundo do salão, numa tentação sem fim durante toda a refeição.
Foi uma experiência bacana, claro, mas não arrebatadora. Nos divertimos com o menu totalmente às cegas (pratos e vinhos surpresa), comemos e bebemos bem. E ainda bem que havia um indefectível Chablis para não derrubar minha auto-estima de enófila.
O trabalho me deu o privilégio de voltar a Paris agora neste começo de fevereiro (bem no Carnaval!) e folheei novamente, gulosa, as delicadas páginas de papel de seda. Eu ficaria baseada no 12eme arrondissement (Bercy) e era aquela região que pretendia vasculhar.
Abri apenas duas exceções geográficas: o tradicional Astier, dica do connaisseur Bruno Agostini, e o Ze Kitchen Gallerie, bistrô moderninho que eu morria de curiosidade de conhecer e acabei, sem querer, num almoço tardio de dia de semana com um amigo que trabalha na Embaixada do Brasil.
O Astier fica ali entre Nation e Republique. Uma casinha pequena de esquina. Cortininhas na janela, muita madeira no interior, staff pequeno e toalhas quadriculadas na mesa. Com direito a guardanapo de pano - sinal de 'autenticiade' que, andei sabendo, começa a rarear por aquelas bandas do Sena.
Estava sozinha e cheguei cedo, logo no começo do serviço do jantar (19:00). Pedi um champagne para começar a pensar diante do quadro negro com as opções da semana. Em seguida curti o primeiro foie gras da temporada parisiense (com avelãs e figo) e, depois, um peixe branco (Saumonette) com cogumelos e um purê que veio carregado demais no alho. Abri mão da sobremesa e caí dentro dos queijos, que chegam numa bandejona à mesa para vc se servir à vontade. Foi o ponto alto da noite, que teve participação também de um Côtes du Rhone e de um Pouilly Fumé (infelizmente lá não tem meia garrafa. Só taça, 750ml ou Magnum. Não era o caso de encarar as duas últimas opções).
Já o Ze Kitchen deve sua primeira (e até agora única) estrela Michelin à comida saborosa e bem apresentada, num ambiente moderno que mistura influência asiática no paladar com obras de arte nas paredes. Os pratos, não por coincidência, são lindamente apresentados, como se fossem uma aquarela.
Fiquei nos vinhos brancos: Kir como aperitivo e Chablis em seguida, para acompanhar a entrada de ostras, mariscos e molho com wasabi. Depois veio o peixe com endívia - delicadíssimo. Novamente o melhor (para meu paladar naquele dia) ficou para o final: o incrível sorvete de chocolate branco com wasabi e manga. U-la-la!
Mesmo sem reserva (o que não é de bom tom nem muito aconselhável fazer, sobretudo em restaurantes concorridos), fomos extremamente bem acolhidos. Já era 14:00, fim do serviço, e nem por isso havia sinal de pressa como acontece volta e meia aqui no Balneário.
Por mais que tenha adorado as descobertas tanto no Astier, quanto no Ze Kitchen, acho que minha viagem não teria sido a mesma sem ter convivido com o figuraça Boboss, no Le Quincy (onde comi o melhor coelho dos últimos 35 anos), ou experimentado o inigualável aligot (e o mil folhas!) do L'Auberge Aveyronnaise, ambos a menos de 10min andando de onde estava em Bercy.
Varandinha do Le Quincy. |
"Oui, j'ai tout. Et j'ai aussi froid", respondi com um sorriso, emendando que, de jeito nenhum, estava com pressa (outra pergunta metralhada em minha direção) de modo a tentar convencer o senhor a me oferecer um lugar para almoçar (também sem reserva...).
Logo estava instalada na charmosíssima varanda, com seus quadriculados branco-vermelho atestando "caráter". Chega à minha mesa uma tacinha de champagne e pedaços de salame cortado na hora, como "símbolo da amizade", segundo o senhorzinho.
Cahors, terrine de campagne, salada de repolho e pão caseiro. Sem mais. |
Pedi um Cahors (Chateau Lagrezette 2005, formidável) e fui informada que só pagaria o que consumisse da garrafa recém-aberta. Se eu não tivesse que trabalhar em seguida, certamente teria pago por ela inteira... Ainda mais com a cortesia que chegou, em seguida, à minha mesa: presunto cru para comer com as mãos, segundo ensinou Boboss com um sorriso cúmplice.
Ousei e pedi coelho como prato principal, carne que não costumo gostar muito. Fiz bem. E muito. Servido com molho de vinho branco (de comer de colherzinha no final!!!), fettucini na manteiga e... croutons! Que lindeza!
Ah, o coelho! |
Sobremesas. |
O séjour parisiense ainda me reservou um outro presente gastronômico. O L'Auberge Aveyronnaise fica exatamente na continuação da rua do ginásio de Bercy, meu QG quando trabalho na capital francesa. Dois quarteirões sob neve fina e lá estava eu (bem) acolhida pelo simpático proprietário, indignado por eu estar sozinha num almoço de domingo. Esperei no bar com uma taça de Pommery enquanto beliscava salames e pãezinhos de cortesia até a "plus belle table" ficar pronta para mim.
A terrine de foie gras com geléia e pão caseiro me fez sorrir, apesar do vinho jovem e frutado que a garçonete me ofereceu (e eu pedi para trocar por um mais encorpado, bien sur). A paleta de cordeiro com o aligot justifica encarar filas que, soube, se instalam na porta nos finais de semana. O aligot (uma mistura fantástica de purê de batata e diferentes tipos de queijo, finalizada à mesa num show de "estica-e-puxa") é para aplaudir de pé. Mas não se esqueça de deixar espaço para o mil folhas caseiríssimo que fica ali no fundo do salão, numa tentação sem fim durante toda a refeição.
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